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Rev Saúde Pública 2014;48(1):186-190 Adoecimento mental incapacitante: benefícios previdenciários no Brasil entre 2008-2011 Disability due to mental illness: social security benefits in Brazil 2008-2011 I Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública. Faculdade de Saúde Pública. Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil II Departamento de Saúde Ambiental. Faculdade de Saúde Pública. Universidade de São Paulo, SP, Brasil Correspondência | Correspondence: João Silvestre da Silva-Junior Departamento de Saúde Ambiental Faculdade de Saúde Pública Av. Dr. Arnaldo, 715 01255-000 São Paulo, SP, Brasil E-mail: [email protected] Recebido: 28/2/2013 Aprovado: 26/9/2013 Artigo disponível em português e inglês em: www.scielo.br/rsp RESUMO O objetivo dessa comunicação foi analisar a variação do perfil dos benefícios previdenciários por transtornos mentais e comportamentais e sua relação com o trabalho. Foram utilizados dados secundários da Previdência Social brasileira de 2008 a 2011. Foram calculadas taxas de variação média anual no período acerca da população economicamente ativa, número de segurados, benefícios auxílio-doença concedidos em geral e, especificamente, os relativos a transtornos mentais e comportamentais. Os transtornos mentais mantêm-se como a terceira causa das concessões. Houve aumento médio anual de 0,3% de novas concessões, com queda de 2,5% da incidência média anual. Foram considerados relacionados ao trabalho 6,2% dos casos, na média, principalmente decorrentes de transtornos de humor.As autoridades governamentais devem usar os dados da Previdência Social para auxiliar no debate sobre políticas públicas de saúde mental. DESCRITORES: Transtornos Mentais. Salários e Benefícios. Previdência Social. Saúde do trabalhador. Estudos Ecológicos. ABSTRACT This communication aimed to analyze the profile variation of disability benefits due to mental disorders. Secondary data published by Brazilian Social Security between 2008 and 2011 were evaluated. Mean annual variation rates over the period were calculated for the economically active population, as were the number insured, paid out overall sickness benefits and for mental and behavioral disorders. Mental disorders are the third most common reason for disability benefits. There was an average annual increase of 0.3% in new benefit claims, with a 2.5% fall in mean annual incidence. Work-related disease was identified in 6.2% of cases, most of it due to mood disorders. The government should use the data from the Social Security Institute to support a debate of public policies regarding mental health. DESCRIPTORS: Mental Disorders. Salaries and Fringe Benefits. Social Security. Occupational Health. Ecological Studies. Comunicação Breve DOI:10.1590/S0034-8910.2014048004802 João Silvestre da Silva-JuniorI Frida Marina FischerII
Rev Saúde Pública 2014;48(1):186-190 187 Os sistemas previdenciários têm função de oferecer assistência financeira à população adulta que contribui para a previdência social e necessite se afastar do tra- balho temporária ou permanentemente. A renda trans- ferida pela instituição aos segurados tem importante papel na economia interna do País e está relacionada com a estabilidade social.3 Cabe ao empregador manter o pagamento integral do salário ao funcionário nos casos de ausências ao tra- balho até 15 dias decorrente de doença comprovada. A partir do 16o dia, o trabalhador deve ser encaminhado para solicitação de benefício junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal vinculada ao Ministério da Previdência Social. O auxílio-doença é o benefício temporário concedido ao segurado que comprove o efetivo comprometimento de sua capaci- dade laborativa decorrente de algum agravo à saúde. Entre os adoecimentos, os transtornos mentais e compor- tamentais são frequentes e comumente incapacitantes. Evoluem naturalmente com absenteísmo por doença e redução de produtividade.4 O adoecimento mental inca- pacitante foi a terceira principal causa de concessão de benefício auxílio-doença em 2008 (10,7%) e 8,5% des- tes agravos relacionados ao trabalho.2 A importância do estudo dessas doenças crônicas é justificada pelo volume de gastos com pagamento de benefícios previdenciários e o custo social em conse- quência da exclusão do trabalho. O objetivo deste estudo foi analisar a variação do perfil dos benefícios previdenciários do tipo auxílio-doença concedidos por transtornos mentais e comportamentais e sua relação com o trabalho. MÉTODOS Estudo ecológico que utilizou dados secundários do Ministério da Previdência Social entre 2008 e 2011. As informações foram extraídas dos Anuários Estatísticos da Previdência Social (AEPS) divulgados entre 2009 e 2012a,b,c,d e no banco de dados estatísticos na página eletrônica do Ministério da Previdência Social.e Foram descritos dados sobre evolução do número de contribuintes e benefícios auxílio-doença. Foi dado enfoque às novas concessões que tiveram, como motivo da incapacidade laborativa, patologia classificada como transtorno mental e comportamental (TMC), conforme INTRODUÇÃO Capítulo V da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10a versão (CID-10). Dentre os segurados do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), definiu-se como população de estudo as pessoas que tiveram pelo menos uma contribuição previdenciária em qualquer mês no período citado. Os auxílios-doença foram subclassificados em espé- cie previdenciária (B31 – quando a perícia médica não configurou o agravo como relacionado ao trabalho), e espécie acidentária (B91 – quando houve nexo técnico previdenciário entre doença e trabalho). A partir dos números absolutos, foram calculadas taxas de variação média anual no período com a população economicamente ativa, segurados vinculados ao RGPS, número de benefícios auxílio-doença concedidos em função de qualquer doença incapacitante e os conce- didos por TMC. RESULTADOS A população economicamente ativa foi de 98 milhões de pessoas em média e 59,4% foram cadastradas como seguradas da Previdência Social, no período. O cres- cimento médio anual da população economicamente ativa foi de 0,4% e de contribuintes do RGPS de 6,2%. De 2008 à 2011, a média foi de 375 benefícios auxílio-doença para cada 10.000 segurados. Houve aumento médio anual de concessões de 2,9%. Entretanto, a incidência anual sofreu variação média negativa de 3,17%. No período estudado, a espécie previdenciária (B31) teve redução média de 2,1% na incidência de novos benefícios. A espécie acidentária (B91) apresentou incidência média de benefícios de 57/10.000 segura- dos. Houve diminuição persistente na incidência anual, com média de 9,16% ao ano (Figura). Os três principais motivos de concessão de benefícios foram os mesmos no período analisado. Em primeiro lugar, estiveram os agravos do Capítulo XIX da CID-10 (lesões, envenenamento e algumas outras conseqüên- cias de causas externas), com incidência anual média de 29,2% ou 109,7/10.000 segurados. Em segundo, os adoecimentos incapacitantes decorrente do Capítulo XIII da CID-10 (doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo) com incidência anual média de 20,7% ou 77,9/10.000 segurados. Os distúrbios a Ministério da Previdência Social. Anuário estatístico da Previdência Social 2008. Brasília (DF): Ministério da Previdência Social/DATAPREV; 2009. b Ministério da Previdência Social. Anuário estatístico da Previdência Social 2009. Brasília (DF): Ministério da Previdência Social/DATAPREV; 2010. c Ministério da Previdência Social. Anuário estatístico da Previdência Social 2010. Brasília (DF): Ministério da Previdência Social/DATAPREV; 2011. d Ministério da Previdência Social. Anuário estatístico da Previdência Social 2011. Brasília (DF): Ministério da Previdência Social/DATAPREV; 2012. e Ministério da Previdência Social. Estatísticas: segurança e saúde ocupacional: tabelas: auxílios-doença acidentários e previdenciários segundo os códigos da Classificação Internacional de Doenças - CID-10. Brasília (DF) [citado 2013 fev 1]. Disponível em: http://www.previdenciasocial.gov.br/ conteudoDinamico.php?id=502
188 Benefícios por adoecimento mental Silva-Junior JS & Fischer FM referentes ao Capítulo V da CID-10 (transtornos men- tais e comportamentais) permaneceram como a terceira principal causa da concessão dos benefícios previden- ciários auxílio-doença, com incidência média anual de 9,3% ou 34,9/10.000 segurados. A incidência dos transtornos mentais incapacitantes diminuiu anual- mente 2,5%, em média. Os novos benefícios por TMC apresentaram média anual de 203.299 casos. Houve aumento médio de 0,3% ao ano de novas concessões, que provocou impacto anual médio de 186 milhões de reais ao sistema previdenci- ário. Houve aumento médio de 7,1% ao ano no valor dos gastos com novos auxílios-doença por transtor- nos mentais. Os auxílios-doença por transtornos mentais e comporta- mentais não relacionados ao trabalho tiveram aumento de 0,5% ao ano, em média. Houve importante queda entre 2008-2009, com menores percentuais nos dois últimos biênios (Figura). Os benefícios por TMC relacionados ao trabalho repre- sentaram, em média, 6,3% do total e sofreram declínio médio de 1,1% entre 2008 e 2011. Entretanto, os dados relativos demonstram uma redução da incidência na ordem de 6,71% (Figura). Em relação aos benefícios acidentários, os transtornos do humor [afetivos] foram o principal grupamento de diagnósticos (CID-10 F30-F39), com frequência média anual de 47,7%. Em segundo lugar, estiveram o grupa- mento dos transtornos neuróticos, transtornos relaciona- dos com o “stress” e transtornos somatoformes (CID- 10 F40-F48), com frequência média anual de 43,7%. Detectou-se inversão nesta ordem, com declínio do registro dos CID-10 F30-F39 e aumento progressivo dos agravos CID-10 F40-F48. DISCUSSÃO O número de contribuintes para o RGPS manteve-se crescente com menor taxa anual de crescimento da con- cessão do benefício auxílio-doença. Isso pode expli- car a redução persistente da incidência média anual de novos benefícios. Os transtornos mentais e comportamentais mantiveram-se como a terceira principal causa das ausências ao tra- balho por doença no período. Assim como em outros estudos,1 houve aumento crescente do número absoluto de TMC entre os adoecimentos motivadores de benefí- cios auxílio-doença. Entretanto, a participação percen- tual dos agravos mentais entre os motivos de incapa- cidade laborativa sofreu declínio no período estudado. Os benefícios auxílio-doença acidentários tiveram aumento no número de concessões a partir de 2007, à custa da implantação do nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP).5 Essa ferramenta tem como pressuposto fundamental minimizar a subnotificação dos agravos à saúde relacionados ao trabalho. Todavia, houve declínio no número absoluto e relativo da conces- são do benefício auxílio-doença acidentário de forma geral, bem como no grupo dos TMC incapacitantes. Os transtornos do humor [afetivos] (F30-F39), incluindo os quadros depressivos, são os mais frequentes TMC relacionados ao trabalho em estudos epidemiológicos em outros países.2 O mesmo ocorreu no Brasil entre 2008 e 2010. Entretanto, o grupamento dos transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o “stress” e transtornos somatoformes (F40-F48) assumiu a colocação do mais frequente motivo de auxílio-doença relacionado ao tra- balho em 2011, similar ao padrão francês.2 Questões administrativas próprias da Previdência Social brasileira podem explicar parcialmente alguns resulta- dos observados. Ações implantadas na última década, como concursos públicos para aumento do quadro de servidores e o plano de expansão da rede de atendi- mento do INSS,f facilitaram o acesso público aos ser- viços previdenciários. Esta política pública, ao aumen- tar o atendimento médico-pericial, pode ter influen- ciado no aumento absoluto de concessão do benefício auxílio-doença. A partir de 2008 foram publicadas diretrizes de apoio à decisão médico-pericial, indicando parâmetros técni- cos para melhor subsidiar a avaliação da incapacidade laborativa. Pode-se supor que o uso de um referencial teórico tenha influenciado no rigor técnico das avalia- ções periciais contribuindo para a diminuição global da incidência de novos benefícios. Quanto à possibilidade da relação causal entre agravo incapacitante e condições de trabalho, as diretrizes são omissas. Isso pode ter contribuído para a forte diminui- ção na determinação da característica acidentária nos benefícios concedidos, nos casos de transtornos mentais e também em relação aos demais motivos. A greve dos peritos médicos previdenciários, entre junho e setembro de 2010,g pode ter contribuído para os resultados encontrados. Houve uma redução esti- mada de 70,0% do volume de atendimentos periciais para avaliação da capacidade laborativa para fins do benefício auxílio-doença. Portanto, especificamente no ano de 2010, pode ter havido uma subnotificação dos f Ministério da Previdência Social. Expansão da Rede de Atendimento do INSS. Brasília (DF): Ministério da Previdência Social; 2009 [citado 2013 jul 1]. Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/3_090316-092117-572.pdf g Peritos do INSS encerram greve após decisão judicial. Folha de São Paulo. 2010 Set 17: Mercado. [citado 2013 jul 1]. Disponível em: http:// www1.folha.uol.com.br/mercado/2010/09/800475-peritos-do-inss-encerram-greve-apos-decisao-judicial.shtml
Rev Saúde Pública 2014;48(1):186-190 189 longos afastamentos do trabalho por TMC e, consequen- temente, daqueles relacionados ao trabalho. As razões apontadas se apresentam como limitações aos resultados analisados. Entretanto, os dados deste estudo representam um recorte da tendência histórica e nos permite visualizar a redução na incidência na con- cessão dos benefícios previdenciários auxílio-doença por qualquer motivo e por transtornos mentais e com- portamentais, no Brasil, entre 2008-2011. A diminuição da força produtiva, principalmente quando o adoecimento atinge a população economicamente ativa, gera importantes custos ao Estado por diminuição indireta no crescimento econômico. O ônus da exclusão social pode agravar ainda mais o sofrimento crônico dos indivíduos adoecidos, promovendo um ciclo de desgaste. Essa situação não contribui para a melhora do seu estado físico e mental. Minimizar o desenvolvimento ou agravamento de qua- dros que geram pagamento de novos benefícios é fun- damental para o equilíbrio financeiro da previdência social pública. A agenda governamental deve apoiar programas de pesquisa sobre saúde mental, promovendo discussões nacionais acerca dos seus dados oficiais. Assim, podem ser criadas políticas públicas específicas em promoção de saúde prevenção e reabilitação. Fonte: AEPS 2009, 2010, 2011, 2012. B31 por TMC: auxílio-doença previdenciário por transtornos mentais e comportamentais; B91 por TMC: auxílio-doença aci- dentário por transtornos mentais e comportamentais; INSS: Instituto Nacional do Seguro Social Figura. Variação do número de segurados contribuintes da Previdência Social, quanto à concessão de benefícios auxílio doença por transtornos mentais e seus subtipos (previdenciário-B31 e acidentário-91). Brasil, 2008 a 2011. 15,0 10,0 5,0 (%) 0,0 -5,0 -10,0 -15,0 Segurados INSS B31 geral B91 geral B31 TMC B91 TMC 2008-2009 2009-2010 2010-2011

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