Nội dung text Diego Roberto Barbiero. Art. 359-N- Interrupção do processo eleitoral. In- Diego Nunes (org.). Crimes contra o estado democrático de direito.pdf
107 Art. 359-N Interrupção do processo eleitoral Diego Roberto Barbiero Interrupção do processo eleitoral Art. 359-N. Impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral: Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. Introdução Por meio da Lei no 14.197, de 1o de setembro de 2021, buscou o legislador dar uma proteção mais efetiva – e atualizada às transforma- ções sociais – àqueles que, com suas condutas tipificadas como crimes, objetivam causar instabilidade institucional ou atingir instituições (ou mesmo procedimentos específicos) que fundamentam a democracia. Entre os novos tipos penais inseridos no Código Penal está o nominado como “Interrupção do Processo Eleitoral” que, ao final do período de vacatio legis, está alocado no art. 359-N do Código Penal. Antes de se proceder à análise dos elementos constitutivos do tipo, de seu alcance normativo e punitivo e das possíveis questões contro- vertidas sobre consumação, tentativa e competência, convém destacar alguns pontos importantes de reflexão. O novo tipo penal prevê a possibilidade de imposição de pena de reclusão, de 3 a 6 anos, além de multa, ao indivíduo que “impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação EDITORA D'PLACIDO Todos os direitos reservados
108 indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral”. O tipo penal está inserido num contexto normativo e legislativo de revogação da Lei de Segurança Nacional (Lei no 7.170, de 14 de dezembro de 1983), ou seja, destaca a importância do processo eleitoral como indispensável à existência e manutenção do Estado Democrático e, consequentemente, do sistema jurídico-constitucional que fundamenta a República Federativa do Brasil. Além de tutelar diretamente o processo eleitoral, o tipo penal também assegura a proteção – e, transversalmente, consolida – o sistema eletrônico de sufrágio, já que as condutas nucleares de impedimento ou perturbação da eleição ou da aferição de seu resultado exigem, para a perfeita subsunção dos fatos à norma, a especificidade da conduta do agente – que deve se dar mediante a violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral. A conduta específica criminalmente vedada – sob ameaça de pena – destaca, portanto, a importância e a proteção que o legislador buscou dar à votação eletrônica – iniciada no Brasil no ano de 19961 e alvo de intensos questionamentos, sobretudo nos últimos três anos, sobre a integridade dos dados apurados pelas urnas. De fato, em 2021, ano em que o sistema de votação por urnas eletrônicas completou duas décadas e meia de existência, houve inten- sos questionamentos sobre a segurança e a integridade dos resultados extraídos das urnas. Indagações levantadas pelo atual Presidente da 1 “O voto eletrônico foi uma grande revolução no processo eleitoral brasileiro. Se- gundo Carlos Velloso, desde sempre, o objetivo do projeto era eliminar a fraude no processo eleitoral afastando a intervenção humana. E a solução, conta o ministro, foi criar o voto eletrônico: ‘Uma urna eletrônica, um pequeno computador que pudesse processar eletronicamente os votos, com rapidez, com a maior segurança, propiciando, então, uma apuração rápida.’ [...] Esse cenário foi o grande motivador para buscar uma solução para o afastamento definitivo daquelas fraudes que ocor- riam. Velloso recorda que foi necessário fazer ‘como que uma cruzada’ pelo país para mostrar que seria possível informatizar o voto. ‘Convocamos brasileiros de boa vontade a trabalhar pelo Brasil e formamos comissões técnicas com a participação de juristas, cientistas políticos, advogados, juízes especialistas em informática e ser- vidores da Justiça Eleitoral’, destaca, ressaltando que a comissão de informatização do voto começou o projeto do zero até fechar o protótipo da urna” (BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Você sabe o que é zerésima? O Glossário expli- ca. In Comunicações. Sítio Eletrônico do TSE. Data da publicação: 25 nov 2020. Disponível em https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Novembro/ voce-sabe-o-que-e-zeresima-o-glossario-explica. Acesso em 8 out. 2021). EDITORA D'PLACIDO Todos os direitos reservados
109 República e secundadas por Congressistas da base governista levaram o Poder Legislativo Nacional a discutir a possibilidade da volta do voto impresso ou, alternativamente, do “voto impresso auditável”. A proposição de alteração constitucional para essa finalidade foi apresentada pela Deputada Federal Bia Kicis (PSL-DF) e recebeu, na Câmara dos Deputados, o número 135/2019. Levada ao plenário da- quela Casa Legislativa em 10 de agosto de 2021, a Proposta de Emenda Constitucional não obteve os 308 votos favoráveis necessários à con- tinuidade de sua tramitação e foi, então, arquivada.2 Fato é que, apesar das constantes críticas e indagações, o novo tipo penal, ao fazer menção expressa ao sistema eletrônico de votação, buscou dar efetiva proteção ao mecanismo que, ao longo dos anos, consolidou- -se como método de captação dos votos no sistema eleitoral brasileiro. Antecedentes legislativos As condutas de impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado não apareceram, agora, pela primeira vez no ordenamento nacional: o art. 297 do Código Eleitoral (Lei no 4.737/1965) já previa a possibilidade de pena de detenção, de até seis meses, e pagamento de 60 a 100 dias-multa, aos que praticassem as condutas de “impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio”. Para efeitos de subsunção ao art. 359-N do Código Penal, o im- pedimento ou perturbação da eleição ou da aferição de seu resultado devem se dar mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral. É justamente este meio especial de execução que a nova conduta incriminada difere, em uma primeira análise, daquela prevista no art. 2 “O Plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, nesta terça feira (10), a PEC do Voto Impresso (Proposta de Emenda à Constituição 135/19). Foram 229 votos favoráveis, 218 contrários e 1 abstenção. Como não atingiu o mínimo de 308 votos favoráveis, o texto será arquivado. A proposta rejeitada, de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), determinava a impressão de “cédulas físicas confe- ríveis pelo eleitor” independentemente do meio empregado para o registro dos votos em eleições, plebiscitos e referendos”. (BRASIL, Câmara dos Deputados. Câmara rejeita proposta que tornava obrigatório o voto impresso. In Comunicações. Sítio Eletrônico da Câmara dos Deputados. Data da publicação: 10 ago. 2021. Disponível em https://www.camara.leg.br/noticias/792343-ca- mara-rejeita-proposta-que-tornava-obrigatorio-o-voto-impresso/. Acesso em 3 out. 2021). EDITORA D'PLACIDO Todos os direitos reservados
110 297 do Código Eleitoral: não basta, para a atividade de subsunção, que se impeça ou perturbe a eleição ou a aferição de seu resultado: é ne- cessário que os verbos nucleares sejam praticados por quem assim age mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral. Logo, não se está, na espécie, diante de uma hipótese de revogação tácita, mas sim de duas condutas que, em tese, podem ensejar diferentes formas de subsunção. As condutas previstas no novel 359-N também se assemelham àquelas tipificadas no art. 72 da Lei no 9.504/97, verbis: Art. 72. Constituem crimes, puníveis com reclusão, de cinco a dez anos: I - obter acesso a sistema de tratamento automático de dados usado pelo serviço eleitoral, a fim de alterar a apuração ou a contagem de votos; II - desenvolver ou introduzir comando, instrução, ou pro- grama de computador capaz de destruir, apagar, eliminar, alterar, gravar ou transmitir dado, instrução ou programa ou provocar qualquer outro resultado diverso do esperado em sistema de tratamento automático de dados usados pelo serviço eleitoral; III - causar, propositadamente, dano físico ao equipamento usado na votação ou na totalização de votos ou a suas partes. De se notar que, muito embora não ofendam também o Estado Democrático de Direito (mas apenas o processo eleitoral), às condutas previstas na Lei Eleitoral são previstas penas superiores àquelas insertas no preceito secundário do art. 359-N. E, apesar da semelhança das condutas, igualmente não se está, aqui, diante de hipóteses de revogação tácita ou continuidade típico-nor- mativa, mas sim de dois delitos distintos que coexistirão no sistema punitivo brasileiro enquanto a Lei no 9.504/97 não for expressamente revogada por outro diploma normativo. Assim, apesar da existência de antecedentes assemelhados, o novo tipo penal traz ao ordenamento jurídico uma figura delitiva diversa das anteriores – que se somará às possibilidades de subsunção diante de uma situação concreta a ser analisada pela autoridade investigativa ou pelo titular da ação penal. EDITORA D'PLACIDO Todos os direitos reservados