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©Alexandre Alves Entre as panelas e os livros de receita da mãe, dona Inácia de Fátima Medeiros, e da avó Joana, em Picuí, interior da Paraíba, Wanderson Medeiros cresceu e tomou gosto pela arte da culinária. Com o pai, Rosimério Anacleto, aprendeu a arte de açougueiro — dando continuidade à tradição de produção de carne de sol, que está na família há mais de 130 anos. Graduou-se em Administração de Empresas em 1999, e assumiu o Picuí, restaurante da família, em Maceió. Foi graças ao seu talento e dedicação que o restaurante se tornou referência em culinária regional e brasileira. Um dos criadores e adeptos da Nova Cozinha Nordestina, estilo gastronômico que utiliza técnicas clássicas para extrair o melhor dos ingredientes regionais, Wanderson foi eleito Melhor Chef Banqueteiro do país e seu buffet, o W Gourmet - localizado em São Miguel dos Milagres, litoral norte de Alagoas —, o Melhor Buffet pelo Prêmio Melhores do Ano Prazeres da Mesa, em São Paulo. O chef, que tem diversos prêmios e reconhecimentos nacionais e internacionais, é o responsável, há mais de 10 anos, pela comida do famoso Réveillon de Milagres e também assina o cardápio da pousada Haya, localizada no município de São Miguel dos Milagres, e Zai, no Patacho, ambas no litoral norte de Alagoas. Queridinho das noivas, é ele um dos responsável por uma grande parte dos casamentos realizados na região, conhecida como um dos principais destinos (Destination Wedding) para realização de casamentos no país. WANDERSON MEDEIROS Chef
A mais linda memória afetiva é sentir o gosto de um grande sonho sendo realizado.” “
SERVIR É UMA ARTE – O BRASIL DOS EVENTOS POR TRÁS DOS BASTIDORES: VIVÊNCIAS QUE MOLDAM EXPERIÊNCIAS INESQUECÍVEIS 268 Legado feito com raízes fortes O primeiro casamento na Capela dos Milagres foi um marco, não apenas pela grandiosidade do evento, mas pela intensidade de cada desafio que se apresen- tou. O salão foi tomado por uma energia linda, cada detalhe foi cuidadosamente pensado, cada prato saía da cozinha como se fosse parte de um espetáculo. O mais emocionante foi saber que estávamos ali não só servindo um jantar, mas celebrando a união de grandes amigos, pessoas que também fizeram parte da minha trajetória, que cresceram e que se encontraram ao nosso redor entre pa- nelas, risos e histórias. Cozinhar para eles foi mais do que um trabalho: foi uma demonstração de carinho, gratidão e cumplicidade. Sem perceber, fomos protagonistas de algo muito maior. Aquele primeiro ca- samento na Capela dos Milagres não transformou apenas a minha vida, mas a de toda uma comunidade: abriu portas, criou oportunidades, mudou destinos. Vi colegas de profissão, fornecedores, moradores da região sendo impactados, ganhando novas perspectivas e sonhos. Foi ali que entendi que o impacto do nos- so trabalho vai muito além do que cozinhar e alimentar. Hoje olho para esse dia com orgulho e emoção. Sei que foi o início de uma nova história para mim e para todos os que participaram daquela entrega. Foi uma celebração da força coletiva, da paixão e da capacidade de fazer o impossível acontecer quando se trabalha com amor. Muito prazer, sou Wanderson Medeiros, mais conhecido como Picuí. Nasci no interior da Paraíba, em Picuí, cidade cujo nome vem de uma espécie de pomba que frequentava as águas do riacho Pucuhy, em torno do qual o município se formou. Foi ali que minha família, há mais de 130 anos, iniciou a tradição da carne de sol. A tradição familiar sempre foi meu alicerce. Meu bisavô, meu avô e meu pai vendiam carne de sol nas feiras e mercados, e minha mãe era referência em do- ces e decorações artesanais de festas infantis. Minha avó materna, Dona Joani- nha, transformava a casa em café durante a feira livre da cidade às sextas-feiras e sábados, produzindo bolos, compotas e quitutes que marcaram a memória afetiva de toda a cidade. Ela passava a semana inteira produzindo tudo para ser vendido no fim de semana nesse café. Eu a ajudava a descascar e a debulhar mi- lho, aproveitando para lamber os tachos dos doces, como qualquer criança faria. Também assava as castanhas para ela fazer pé de moleque e outras delícias que levam castanha de caju. Na parte de trás da casa da minha avó, eu fazia brasa entre os tijolos e colocava as castanhas numa assadeira de pão grande furada. Só de lembrar, fico salivando. Depois eu as quebrava, comia uma parte e, com a boca toda preta, entregava a outra parte para ela fazer as receitas. Essa é ainda uma lembrança muito forte, tanto é que, quando sinto cheiro de castanha assando, reporto-me imediatamente àqueles bons momentos. Ao lado da casa da minha avó, tinha uma padaria, onde eu ia pincelar os pães doces com calda de açúcar. Eu adorava ver aqueles pães assando. Além disso, os pais do meu vizinho e melhor amigo eram donos de uma avícola, então eu e meus
LEGADO FEITO COM RAÍZES FORTES 269 amigos íamos para lá ajudar. Era muito divertido, fazíamos competição de quem depenava o frango mais rápido e o deixava mais impecável. No fim do dia, eu ga- nhava moelas e um pedaço de frango para levar para casa. Até hoje sou fascinado por moela e por pé de galinha. Minha mãe nunca me mandou trabalhar, mas eu fazia tudo isso porque gostava de verdade. Esse ambiente de celebração, de tra- balho coletivo e de criatividade me ensinou desde cedo o valor da dedicação, do capricho e da hospitalidade. E não parava por aí. Minha mãe fazia pastel de carne de sol com a massa cortada em quadradinhos para eu vender na rua. Então, eu saía com baldinho de margarina de plástico de 3 quilos com paninho vermelho de bolinhas bran- cas e um crochê laranja cobrindo. Eu adorava porque ganhava meu dinheirinho para comprar minhas coisas. Mas esse pastel não ficou apenas na memória: ele está nos meus cardápios até hoje como “pasteizinhos crocantes da Dona Fátima”. Quando vou fazer um evento fora do país, faço questão de levá-los comigo para o mundo provar. A mudança para Maceió trouxe novos desafios. Enquanto meus pais e minha irmã se adaptavam à cidade grande, permaneci por um ano com minha avó até eles se organizarem. Quando meus pais decidiram abrir o restaurante Carne de Sol do Picuí, em Maceió, em 1989, que depois passou a se chamar Picuí, toda a família embarcou nessa aventura, e eu mergulhei de vez no universo do restau- rante, conciliando estudos com o trabalho diário. A partir daí, nunca mais parei de trabalhar. No restaurante, passei por todas as funções: eu era garçom, descasca- va macaxeira, varria o estacionamento. Paralelamente, minha mãe comprou uma barraca para vender lanches, aproveitando que na frente do Picuí havia um com- plexo com 23 escolas. Essa barraca vendia salgadinhos e caldo de cana que ela fazia. Eu também a ajudava na barraca e muitas vezes só saía para ir ao colégio. O desejo de entender a fundo o funcionamento do negócio me levou a cursar Administração. No início da faculdade, meu pai, já cansado da rotina exaustiva (o restaurante servia almoço e janta diariamente e só fechava na Sexta-feira Santa), confiou a mim, na época com 19 anos, a missão de conduzir o negócio e imple- mentar uma grande reforma. Escolhi cada detalhe do novo ambiente, dos unifor- mes à decoração, sempre valorizando a estética regional e a história da família. A equipe, composta majoritariamente por conterrâneos de Picuí, morava no pró- prio restaurante, dentro de um clima de união e pertencimento raro de se ver. Assumir o restaurante aos 19 anos foi um marco na minha vida. No início, eu tinha muitas ideias, mas as pessoas ficavam com o pé atrás. Por exemplo, propus oferecer algumas entradas, como espeto de linguicinha, enquanto os clientes es- peravam o prato. Também dei a ideia de passarmos uma bandeja de sobremesas nas mesas para deixar mais atrativo, o que deu super certo, mas não sem antes eu ter que provar que venderia bem. Com o tempo, as pessoas foram confiando no meu potencial, e as coisas foram acontecendo. Em 2013, percebi a necessidade de oferecer refeições práticas e de alta qua- lidade para hotéis e estabelecimentos parceiros. Desenvolvi um cardápio com 81 itens de comida a vácuo, incluindo purês, arroz, proteínas e molhos, todos prepa- rados em minha cozinha, embalados a vácuo e enviados aos clientes. O método é simples: basta aquecer o pacote em água quente e montar o prato, que mantém sabor e textura de comida recém-preparada. Em 1 ano, já fornecíamos para 11 hotéis em Maceió, e só não expandimos mais por limitações de produção.